segunda-feira, 2 de abril de 2007

GRANDE EDGAR

- Lembra-se de mim?
Você não está a lembrar-se dele, consulta nas fichas armazenadas na memória o rosto e o nome dele e não encontra. Tem três hipóteses, a primeira é a mais racional e menos agradável.
- Não
A segunda é um meio termo.
- Não me diga. Você é o... o...
Aqui você conta com a piedade dele e sabe que mais cedo ou mais tarde ele vai dizer o nome.
A terceira hipótese é a menos racional e recomendável, a que leva à tragédia e à ruína.
- Claro que me lembro de você.
Agora já não há como recuar, pulou para o abismo e seja o que Deus quiser.
-Há quanto tempo...
- Pois é.
- Como tem passado?
- Bem, bem...
-Pensei que não me reconhecia...
- Que é isso? eu ia esquecer-me de você?
- As pessoas mudam, sei lá.
- Que ideia.
(É o Ademar. Não, o Ademar já morreu. Será o Resende, o da perna de pau? você pode chutá-lo amigavelmente... e se acertar na perna boa? "Que saudade" e chuta na outra)
-Você tem visto alguém da velha turma?
- Só o Pontes.
-Velho Pontes.
- Lembra do Craoré?
-Velho Craoré.
(Você não conhece nem Pontes nem Craoré. É inútil, as pistas não ajudam nada).
- Sabe que a Ritinha casou?
- Com quem?
- Com o Bituca. Você lembra dele?
- Claro. Velho Mutuca.
- Bituca.
- Isso. Velho Bituca. E vocês nem me avisaram...
- Perdi os contactos...
- Mas meu nome está na lista, era só dar um telefonema, mandar um convite.
- Desculpe Edgar.
- Não desculpo, não.
(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele também não tem a mínima ideia de quem você é. Aproveita, que ele está na defensiva, olha o relógio e diz "epá, já?"
- Bom, tenho de ir. Foi bom ver você.
- Certo Edgar e desculpe...
- O que é isso. Precisamos de nos ver mais vezes.
- Reunir a velha turma.
- Certo.
Você ainda o ouve na esquina a dizer "Grande Edgar", mas jura que é a última vez.
Na próxima que alguém perguntar "lembra-se de mim?", nem responderá "não". Sairá dali correndo.

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