quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A VOLTA PERFEITA


Foi a 14 deste mês que dei corpo a um projeto, na continuação de outras voltas de bicicleta efetuadas em 2009 entre Donaushingen e Budapeste, o qual me permitiu dar meia volta a Portugal em bicicleta, com uma incursão pela Galiza, cheia de subidas, só para testar a minha resistência. Quando todos me chamavam maluco, não acreditando que pudesse levar a cabo esta tarefa com que tinha preenchido os momentos de lazer a ver mapas, parques de campismo e estradas com ou sem ciclovias, eis que pego na bicicleta e arranco de Alcanena na manhã de 14 de Setembro de 2011.
Com uma pedalada vigorosa, ataquei a serra d`Aire em direção a Porto de Mós, numa velocidade que me deixava admirado das minha próprias capacidades, mas inconscientemente sabedor de que a Figueira da Foz ainda estava longe, o que se confirmou ao fim da tarde e ao fim de 134 kms, com a chegada ao parque de campismo da Figueira, cansado como nunca e incapaz de acompanhar o jogo Benfica-Manchester, adormecendo no início da segunda parte à mesa do bar do parque.
Primeira noite mal dormida e nova jornada, que me levaria até à praia do Furadouro, com uma subida entre Buarcos e a serra da Boa Viagem, passando pelo cabo mondego no meio de um nevoeiro quase cerrado, com ciclovias muito boas e estradas nacionais com pouco transito junto às praias, o que se compreende na segunda quinzena de Setembro, período sem veraneantes e no início de um novo ano escolar. Percurso mais ou menos plano na sua maior parte e um bom parque de campismo, onde um banho quente retemperador fez esquecer os 132 kms percorridos.
A terceira jornada inicia-se logo manhã cedo e tem como objetivo chegar o mais a norte possível, saindo do Furadouro através de uma estrada secundária que nos levaria pelas praias, em estrada plana e com ciclovias perfeitas, que nos ajudaram a chegar ao Porto ainda antes da hora de almoço, com muitas paragens para tirar fotos nas muitas praias de Gaia, desde Miramar à praia do Salgueiros, com muitos, bons e bonitos bares de praia, com passadiço sobre as dunas, percursos pedestres, ciclovias e estradas de cores diferentes para que ninguém se enganasse nos terrenos que pisava. Mas a tarde reservou-nos uma estrada secundária em direção a Vila do Conde, toda empedrada, por meio de fazendas e alfaias agrícolas, de tal forma que o corpo sofreu um desgaste enorme e compreendi que esta não tinha sido a melhor alternativa, o que só descobri quando cheguei à estrada nacional que, mesmo cheia de camiões, teria sido preferível. Vila do Conde e Póvoa de Varzim estavam ali à nossa frente e procuramos saber do parque de campismo a norte, de seu nome Rio Alto e propriedade da Orbitur. Afinal ainda faltava percorrer mais uns 15 kms e chegamos a Rio Alto através de mais uns quilómetros de empedrado, no meio de canaviais, cheiro a estrume e tratores agrícolas... isso mesmo, o fim do mundo! mas o banho retemperador e uma garrafa de coca-cola por três euros fizeram esquecer os 115 kms desse dia.
O 16 de Setembro, começou como sempre bem cedo, com a habitual partida por volta das 8 da manhã, já depois do banho quente matinal, do desfazer da tenda e arrumação de material e a saída do parque do Rio Alto em direção a norte, o mais a norte possível, claro, com a bicicleta a corresponder na perfeição, um pouco de óleo na corrente e a constatação de que tinha perdido a bomba de ar, bem como um parafuso da fixação dos alforges, coisa pouca que se não fosse arranjada poderia trazer problemas. O tempo estava muito bom, o sol era companhia de todos os dias, as estradas estavam com pouco transito, os hipermercados iam aparecendo nos momentos certos e pão, queijo, fiambre, croissants, bolachas, água (muita), sumos e fruta eram consumidos a cada duas horas de percurso, sem sair da bicicleta, porque encostada à porta de restaurante ou num qualquer parque das cidades, apenas meia hora e só ao almoço. Então fomos pedalando em estradas muito boas, amplas e planas, descobrindo Afife, Moledo e tantas outras praias, bem como Viana do Castelo, Vila Praia de Âncora, Caminha e La Guardia. O objetivo era irmos para Melgaço, mas o apelo do barco gratuito em Caminha na "Semana da Mobilidade" atirou-me para o outro lado e... foi a melhor opção. La Guardia foi a entrada ciclistica na Galiza e só parei ao final do dia no parque de campismo "Os Muiños", já próximo de Baiona, com 90 quilómetros percorridos, o percurso mais pequeno efetuado em toda a viagem, como tive oportunidade de verificar no final.
Domingo foi dia de companhia "ciclistica" entre Baiona e Portonovo, com largas dezenas de grupos de ciclistas a passarem por mim a "mil" e quando me diziam que eu ia devagar, desculpava-me com os 35 kgs de alforges. Belo percurso, com muitas paragens e fotos desde Baiona, passando por Vigo, Pontevedra, Sanxenxo e Portonovo, onde tive oportunidade de visitar Manolo e Nori, um casal amigo que me ofereceu um passeio, um belo jantar e uma dormida em colchão, o que ajudou a recuperar a forma física. Não posso deixar de referir um vinho "albarinho" e uma ternera grelhada deliciosa que me ajudaram a ultrapassar as debilidades de natureza física, acabando um dia de "escassos" 96 quilómetros percorridos.
A sexta etapa, começou na manhã do dia 19, segunda feira, com Ourense como destino final, sabendo de algumas dificuldades a partir de Pontevedra, com subidas muito significativas e onde comprovei um novo "teorema", que nos diz que a seguir a uma subida há sempre outra subida. Outra coisa que me desagradou sobremaneira foi o facto de subir durante três horas seguidas para descer depois durante 10 minutos, ou seja, não dava o prazer para o sacrifício.
Foi na verdade uma jornada muito dura, com subidas que chegaram no "alto das estibadas" aos 846 metros de altura, mas também para compensar, um restaurante no meio da serra que nos deixou muito boa impressão, quase lembrando aquelas "casas de pasto" familiares com a marmita da sopa na mesa, que ataquei sem receio e repeti, para depois estafar umas entremeadas muito saborosas, quer porque eram mesmo, quer porque eu devia estar com muita fome também.
A chegada ao parque de campismo de Ourense, a cerca de dez quilómetros da cidade, ao final de um dia desgastante, foi um bálsamo, porque este parque foi inaugurado no início do mês de Setembro e está muito bem equipado e tem uma localização fantástica, junto ao rio e a uma ciclovia que leva os campistas diretamente às termas, onde qualquer pessoa pode usufruir gratuitamente de um ou vários banhos termais. Tem também este parque uma situação que deve ser realçada, pois tanto no parque de campismo como nas termas, a maioria dos funcionários são pessoas com deficiência, constando de um plano de inserção social promovido pelo governo. E no final, contabilizamos 114 quilómetros, um percurso muito sinuoso e difícil que nos deixou convencido que no plano físico não havia que recear.
Dia 20 de Setembro nasceu como habitualmente, com bom tempo e um sol que queimava logo pela manhã, obrigando à aplicação do protetor solar e a saída de Ourense em direção a Chaves fez-se com a máxima confiança e a vontade de voltar a entrar em Portugal, embora estas coisas da divisão europeia se notem mais no papel que na realidade, porque "fronteira" é peça histórica e infelizmente a alfandega de Verin-Chaves é uma calamidade e uma vergonha, com um edifício público que poderia ser uma memória/museu ao abandono e com o telhado em ruínas, em contraponto ao lado galego perfeitamente preservado.
Facto a destacar foi a passagem em Xisto de Limia, uma localidade galega onde parei para tomar um café, ter no cartaz publicitário da praça local, um folheto vermelho e verde, de uma acção de sensibilização sobre a obra de Fernando Pessoa, o que me sensibilizou e fotografei perante a curiosidade de outras pessoas que frequentavam a esplanada.
Com um piso rápido, sem montanha, apenas com mais uma paragem em Verin, Chaves foi alcançada no final da tarde, num percurso de 121 quilómetros, com o parque de campismo afastado do burgo alguns quilómetros, pelo que apenas passeamos um pouco pelo centro da cidade e tiramos umas fotos na ponte romana, acessível a peões... e bicicletas.
Quarta feira, dia 21, aí estavamos nós em pleno nordeste transmontano, fazendo a ligação entre Chaves e Bragança, num terreno e região que, até agora, me era totalmente desconhecida. Foi um bom percurso, com subidas e descidas que já estavam de tal modo no nosso subconsciente que acho que iria estranhar se não aparecessem, com camiões subindo a vinte à hora pela encosta e nós a imaginarmos o bom que seria podermos ir à boleia agarrados ao reboque. Felizmente já não estou com idade para correr riscos e lá fui subindo a 8 kms/h, encosta acima, para a certa altura encontrar uma descida fantástica de vários quilómetros e onde atingi a velocidade record de todo o passeio, qualquer coisa como 64Kms/h... que adrenalina!
Percurso agitado mas curto, apenas 97 quilometros, que nos levaram ao Parque Nacional de Montezinho, em plena floresta e a cerca de dez quilometros de Bragança, no silêncio e no ar puro de uma recepção com a porta fechada porque a funcionária fazia de tudo um pouco e não podia estar em todo o lado. Bom banho, bom bar e boa refeição foram os ingredientes para um fim de tarde, pertinho de Bragança.
Dia 22 de Setembro trouxe para algumas cidades o "dia europeu sem carros" e, apanhado de surpresa vi-me a passear no centro da cidade de Bragança na minha bicicleta, com tempo e espaço para tirar umas fotos no centro histórico e comer um saboroso pastel de nata numa padaria/pastelaria tradicional. Achei a cidade de Bragança uma agradável mistura entre a arquitetura tradicional e a modernidade, com uma bela ciclovia no centro da cidade e ruas amplas, onde imaginei um inverno rigoroso com muita neve...
Daí parti em direção a Vila Nova de Foz Côa, pensando que a distância um pouco acima da média diária se faria sem problemas de maior, mas não foi bem assim, Alfandega da Fé apareceu no horizonte sem problemas no início da tarde, mas a partir daí as subidas apareceram, as obras dos IPs começaram a atrapalhar com muitos desvios e quando chegamos à barragem do Pocinho, só as vinhas do Douro nos distraíam um pouco do cansaço. Quando vimos a placa "vila nova de foz côa - 9 kms" respiramos de alívio! puro engano, apanhamos com nove quilometros de subida íngreme que nos deixaram de rastos. Essa noite, com cama e roupa lavada na Pousada da Juventude, foi um "quase milagre" que nos atirou para o sono pelas nove da noite. Se querem saber, é melhor pagar um pouco mais e ficar nas pousadas que frequentar o chão duro dos parques de campismo, mas o problema é que não há pousadas em todo o lado e parques sempre se vão encontrando.
No final, olhando o cronometro digital, verificamos que tinhamos andado muito e os 140 quilómetros atestam isso mesmo.
Sexta feira, dia 23, deu-nos mais um dia de sol, calor e sem vento, entre Vila Nova de Foz Cõa e Covilhã com uma estrada razoável, descidas pouco pronunciadas mas prolongadas que ajudaram a manter uma boa média e o almoço foi tomado em Celorico da Beira, num restaurante de ementa única e preço fixo, coma ou não a sobremesa, pelo que devorei duas sopas de hortaliça e meia duzia de grossas fatias de vitela no forno com puré de batata. Foi tão bom e saboroso que no final não me apetecia nada montar a bicicleta, mas " the show must go on" e ainda estavamos longe da Covilhã. O final de tarde veio quando chegamos à entrada da cidade e havia camping e pousada, só não havia era paciência para andar a procurar, daí decidimos que ficariamos no que aparecesse primeiro... foi o parque de campismo do "Ferro", o único em toda o passeio que não tinha internet, um reparo para a Camara Municipal da Covilhã. À semelhança da véspera, o cronometro marcou os mesmos 140 kms, o que está a fazer subir a média diária para cerca de 120 Kms por dia.
Sábado, dia 24 de Setembro, levar-nos-ia da Covilhã à Barragem de Belver, atravessando os distritos da Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Santarém, num total de 153 quilometros e cerca de 10 horas de percurso em cima da bicicleta, num percurso que passou por Fundão, Castelo Branco, Vila Velha de Rodão, Niza, Gavião e chegou ao parque de campismo de Ortiga, em pleno Ribatejo e ao lado da barragem de Belver.
A distância é enorme para um ciclo-amador, com bicicleta e 35 kgs de material nos alforges, mas não ultrapassa os 168 kms que na Alemanha fiz com o meu colega Carlos Marques há dois anos atrás.
Se houve subidas no trajeto? claro que sim, uns quilómetros a seguir ao Fundão e outros a seguir a Vila Velha de Rodão foram duros, especialmente na ribeira de Niza onde parei em todas bicas, mas a maior parte do percurso foi plana e as médias satisfatórias.
E chegamos à última etapa, a da "consagração", pelo que achei por bem reservar apenas os últimos 83 quilómetros para chegar de Belver a Alcanena, o ponto de partida e de chegada. Foi uma manhã bem saboreada, com paragens várias, em Abrantes, Entroncamento e Torres Novas, para completar o registo fotográfico.
Cheguei sim, mas as partidas e chegadas têm de estar sempre preparadas e agora só para lá dos 1435 kms desta volta.
Vamos a outra?