sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

POSSO DIZER QUE SOU PROFESSOR?



Como todos sabem, uma das principais questões dos tempos actuais é a educação, talvez ao mesmo nível da justiça, da inflação, do desemprego, do governo, dos lucros da banca e de mais uma dezena de casos interessantes, mas por agora só me interessa comentar um dos problemas da educação, no caso o problema da avaliação dos professores, muito embora a gestão escolar, o estatuto de carreira e o estatuto do aluno possam ser abordados num futuro próximo, porque com um blogue activo haverá necessidade de lhe dar vida e os comentários começam a tornar-se um vício, essa "blogodependência" com um tratamento agendado nas consultas externas num qualquer centro de saúde, daqui por meia dúzia de anos.
Então eu, professor, com esta possibilidade blogática de meter a colherada na caldeirada da avaliação dos professores e ainda não tinha tomado a iniciativa? é verdade, afinal eu estava um pouco adormecido, achei que não ía acrescentar nada à dialéctica maníaco-democrática dos socráticos ministros e secretários de estado, donos de um background fabuloso na área das ciências da educação, aquela nova área do conhecimento pedagógico inspirada na perspectiva lúdico-terapêutica de Jean Jacques Rousseau, porque os meninos devem crescer livres, livres, livres... livres até dos educadores, de preferência familiares bem chegados, e dos professores que só criam problemas a uma minoria de jovens que não quer nada com a escola.
Pensa o governo que essa minoria de jovens que não quer nada com os pais, com a escola, nem com uma qualquer formação que lhe perspective um emprego futuro, pensa, dizia, que tem de ser levada ao colo até aos 35 anos com subsídios a jovens e uns anos depois com um previsível subsídio a idosos e para isso nada melhor que condicionar os professores com medidas que permitam um suposto "sucesso escolar" que, porque fictício levará a médio prazo a um previsível "insucesso social".
Bem, eu queria apenas dar uma simples opinião sobre a avaliação de professores, começando por recordar a existência de cerca de 150.000 profissionais de ensino, não estranhando que haja alguns com pouca qualidade, mas ao longo de todos estes anos, e para que se saiba eu comecei a minha actividade docente no longínquo ano de 1972 (36 anos já lá vão...) e sei que se a sociedade evoluiu aceleradamente nas últimas décadas, isso deveu-se em boa parte a uma classe docente competente e profissional, à qual me orgulho de pertencer.
Sim, vou ser avaliado em 2009, assim como fui avaliado em 1990, quando fiz o meu estágio profissional, assim como fui avaliado quando fiz a minha formação em Supervisão Pedagógica, com certificação do Centro de Formação Científica de Braga, para além de muitas outras formações ao longo dos anos, assim como fui avaliado pelos meus pares quando fui orientador de estágio de colegas muito competentes, assim como tenho vindo a ser avaliado pelos meus alunos ao longo destes últimos 36 anos.
Mas provavelmente irei avaliar alguns colegas, várias vezes por ano a cada um, mas terei de arranjar maneira de não faltar às minhas aulas e de os meus tempos supervenientes coincidirem com os seus tempos lectivos, o que não vai ser fácil.
Ah, é preciso observar, discutir planos, objectivos, acções, preencher fichas, tabelas, registar, avaliar? nada que não tenha feito ao longo dos anos...
Agora a assiduidade é diferente? também não deve haver problemas se a minha saúde física e mental não me passar rasteiras... afinal 30 dias de atestado em 36 anos de serviço, com duas operações ao menisco, no Hospital Particular e aos ouvidos, no Hospital de Santa Maria e recuperações supersónicas também não é nada de especial.
Alguém pensa que nesta altura do campeonato é a avaliação que me tira o sono? claro que não, mas devo confessar que o que me tira o sono é a irresponsabilidade de quem governa e a cada ano vai alterando a seu bel prazer as condições profissionais e sociais que acordaram comigo quando em 1972 decidi ser professor.
Hoje, confesso, tenho algum receio que o ano de 2017, em que poderei aposentar-me sem penalizações ao fim de 45 anos de serviço, seja alterado por um qualquer engenheiro para o ano 2027 ou 2037, porque o déficit tem de baixar dos 0,1%.
E porque o meu ramo é desporto e educação física, não me espanta que me obriguem a efectuar um duplo mortal, para me ser concedida a tão ambicionada e justificada aposentação.

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