sexta-feira, 30 de março de 2007

A FIDELIDADE

Ele chegou à praia numa terça-feira, que é um dia esquisito. Quando as crianças vieram do banho deram com o pai na varanda. "olhó paiiii!" gritaram. Pouco depois chegou a mulher e também estranhou ele ali, numa terça e com aquela cara.
Pensou no pior. "A mamã!". Não, não, a mãe dela estava bem, tudo na cidade estava bem. Ele sentira saudade, pegara no carro e viera à praia. Só isso.
Mais tarde, longe das crianças, disse a verdade.
- Contaram-me que tinhas um namorado.
A mulher deu uma gargalhada. Mas quem é que tinha contado tamanha mentira?
- Contaram-me... - disse ele em tom vago. E acrescentou - um surfista.
-Eu, a namorar um surfista?!
A mulher não queria crer que ele tivesse acreditado numa história daquelas. Logo ela! Ele foi dramático:
- Preocupam-me as crianças...
- Mas isso é uma loucura! Eu, namorando um garoto?
- Eu não falei da idade do surfista... - disse ele, como se isto a incriminasse sem apelo. Ela tentou brincar:
- Homem, aqui só há garotos ou velhos.
Ele não riu, estava resignado. Talvez merecesse a infidelidade dela. Mas preocupava-se com as crianças. Ela o abraçou. Mas o que era aquilo? Depois de tantos anos de casado, aquela desconfiança? Nunca tinham desconfiado um do outro. Nunca. Ela o afastou. Disse:
- Isso é coisa da Lena, não é? Aposto que é coisa da Lena.
Não. Não era coisa da Lena. Um telefonema anónimo. Ele esforçou-se para não dar importância ao telefonema. Esforçara-se para não acreditar. Mas não resistira.
- Desculpa-me...
Ela o abraçou de novo, emocionada. Fez ele jurar uma coisa.
-Nunca, mas nunca mais, vamos desconfiar um do outro. Promete?
- Prometo.
Abraçaram-se e beijaram-se longamente, até uma das crianças vir mostrar o sapo que achara lá por casa.
- Dormes cá hoje?
- Não posso. Tenho uma reunião na cidade amanhã cedo.
Voltou para o Porto no fim da tarde. O seu compromisso era nessa noite mesmo e chamava-se Marta. Com a história do telefonema anónimo tinha um habeas-corpus preventivo. Que diabo, com o mundo neste estado, este até poderia ser o último verão da sua vida...
Mas não conseguiu olhar de frente o funcionário da portagem.

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