domingo, 6 de setembro de 2009

EU E OS HETERÓNIMOS DE MIM...

Sem querer, sem saber, sem que fizesse o que quer que fosse para o saber, porque todos sabemos que alguém mandou escrever nas pedras "felizes os ignorantes, porque deles será o tal reino...", só não sei se serão vários os reinos, catalogados em função do nível de ignorância de cada um dos membros, mas convém que sejam vários os reinos para que existam várias cortes, variadíssimos estratos do mais elevado ao mais raso nível de ignorância.
Julgava-me eu sujeito apenas ao "juízo final", capaz de ser catalogado em função dos regulamentos, decretos e despachos ordinários e extraordinários emanados da corte suprema a que qualquer mortal não terá o mínimo acesso, nem a menor possibilidade de alterar os dados do computador total que paira acima das ultimas galácias, talvez até nalgum buraco negro, pois julgava-me eu assim mesmo, quando sou confrontado com análises mais terrenas e por isso muito mais próximas e sensíveis, capazes de nos fazer parar para pensar, o que nos tempos que correm não é fácil, porque tudo é muito rápido, tudo nos faz andar atrasados porque as solicitações são muitas e a nossa capacidade de análise, ou a tal ignorância de que falei acima não nos deixam pensar um pouco mais profundamente sobre o que somos, o que queremos e para onde vamos...
Tudo isto a propósito de ao longo dos anos ter sido confrontado com elogios e críticas, o que na verdade me leva a pensar que pior teria sido passar pela vida sem que ninguém se apercebesse que eu tinha andado por aqui, mas há críticas e críticas, aquelas que na profissão, na família e na sociedade nos fazem crescer e aquelas "qualidades" que, se calhar transportamos connosco desde que nos conhecemos, fazem parte do nosso código genético e nem nos apercebemos que às vezes incomodam quem não tem mais nada para analisar e ocupa o seu precioso tempo olhando os outros...
Sempre pensei que o homem nasceu livre, despojado e titular de livre-arbítrio, capaz de crescer e transmitir a si mesmo e aos outros os traços gerais do meio em que se insere, condições básicas que procuro manter num nível elevado, mas como humano que sou, também reconheço que tenho limites e não aceito de ânimo leve algumas críticas que, se algumas vezes "deleto" e passo à frente, noutras ficam aqui dentro e fazem mossa.
"ah não sabia? em casa pode ser uma maravilha, mas aqui é uma fera... quando está mal disposto ninguém o atura... mas o melhor é nem responder que passados uns minutos volta a ser simpático."
" sinceramente, com aquele feitio... como é que vc o aguenta?"
" humm olhe que ele é muito simpático, deve ser muito interessante viver com ele... às vezes são muito simpáticos e depois em casa são do piorio..."
Quando eu era pequeno, lembro-me do meu avô Manuel estar toda a manhã a ler o Diário de Notícias junto da janela da sala, virada para o sol e a rua, com a maior calma do mundo e sem uma única palavra, um comentário, uma observação... eu chegava em bicos de pés, sem um único barulho perturbador, beijava o "velhote" e saía de mansinho porque enquanto ali estivesse a leitura não fluía conforme a norma.
Hoje não posso, o espaço é de todos, os muitos canais de tv saltam uns por cima dos outros a cada minuto e nem pensar em dizer que aquela programa estava a ser interessan... que já lá vão mais 17 canais salteados, o jornal vai-se lendo aos bochechos entermeados por conversas sem jeito, telefonemas e mensagens e o espaço de cada um é cada vez mais o espaço de todos.
Criou-se a ideia "pós-moderna" do homem sem segredos, a saída semanal do namoro do "jet-set" e do divórcio do "jet-dezassete", acha-se impensável que um político não apresente à sociedade a família até à quinta geração e é sinal dos tempos modernos que as relações não têm segredos e que todos devem saber da vida de todos, para além de todos se sentirem no direito de analisar e julgar o amigo, namorado, marido, família, com um remate final no vestido da Michelle Obama que de tanto sair na "nova gente" também já faz parte do círculo (circo) crítico.
E a vida de cada um? os estímulos, os desejos, a imaginação, os objectivos que quase sempre acabam por não se alcançar, os sonhos que no dia seguinte já não se lembram, os segredos que não se contam, as fragilidades que se escondem, os pontos fortes que são apenas de cada um de nós, os gostos que são tão diferentes, haverá lugar para eles fora do conhecimento dos agentes da "pidesca coscuvilhice" que nos cerca?
Por algum motivo Drumond de Andrade nunca autorizou que os seus poemas do "amor natural" fossem à estampa enquanto foi vivo, ou que muitos outros tivessem deixado na gaveta os seus segredos, ou os tivessem transportado consigo...
Na década de setenta lembro de um título de um filme "Vive e Deixa Viver", a que a malta nova costumava acrescentar "... e não chateies!", para além de um velho dito que caiu em desuso "quem está, está, quem vai, vai!", o que de certa forma deveria continuar actual, acompanhados do "amigo não empata amigo!", mas o século XXI está a tornar-se o "tempo do mexerico", a era do "big brother", do "voyerismo", da prática do "sabias que...?" e quando isso começa a fazer parte da mobília as coisas começam a ficar sem luz ao fundo do túnel, como diria o "camarada Mário".

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