terça-feira, 17 de maio de 2011

PAUSA

Nunca me tinha acontecido, desde que comecei a escrever aqui no blog, até porque sentia uma absoluta necessidade de escrever e as novas tecnologias forneceram a cada cidadão uma maravilhosa máquina de escrever, sem aquelas chatices da borracha para apagar os erros no papel, com ofícios rasurados, muito embora se continuem a ver aqui, às vezes, erros de bradar aos céus, feitos por quem muito escreve e pouco acerta, especialmente no plano ortográfico, mas também no campo das ideias, bastando comprar um jornalinho de quando em quando para confirmar muitas lacunas familiares, escolares e sociais.
É essa pouca e indisfarçavel falta de leitura que nos torna cada vez menos aptos, menos confiantes e menos sociais, sim porque uma pessoas que não consegue dizer "duas seguidas" sem meter no meio o golo do Ronaldo, tende a afastar-se, ou a juntar-se apenas aos que metem as bolas do Falcão na "caixa dos pirolitos".
Uma coisa interessante de que me apercebi em pequeno e que achava quase um "ministério sacerdotal" era o tempo sagrado que o meu avô Manuel Inácio dedicava à leitura do Diário de Notícias, na sua casa de Santa Catarina, junto à janela que dava para a rua e de onde se via a taberna onde muitos conterrâneos se limitavam a beber uns copos de vinho e a falar do Benfica.
Outra coisa que também me marcou a infancia foi tentar perceber porque raio o meu avô Manuel, sapateiro, leitor de jornais e que não sabia uma nota de música, levou os seus quatro filhos a aprenderem e a tornarem-se todos bons músicos, arte com a qual sempre usufruiram de benefícios sociais, profissionais e económicos, que levaram o mais velho a uma carreira de músico profissional. Também aprendi o solfejo, toquei trompete e só não continuei porque tinha mais jeito para outras coisas...
Aconteceu até um caso curioso por volta dos anos 50, aquando de uma eleição para a Junta de Freguesia, com o aparecimento de um slogan escrito junto da parede da igreja e que dizia "Catarinense, lembra-te que vais escolher quem te há-de dirigir e a junta de freguesia não pode estar nas mãos de analfabetos", numa letra perfeita e escrita com tinta de sapateiro, pormenor que fez do leitor de jornais Manuel Inácio o principal suspeito das autoridades. Acontece que ele negou e as autoridades fecharam o processo declarando que a frase bem escrita e sem erros nunca poderia ter sido produzida por um sapateiro, estendendo as suas suspeitas a um estudante universitário que na altura passava umas férias na terra.
Na verdade, escrito a tinta de sapateiro e não sendo o pai sapateiro, facilmente se concluía que só poderia ter sido um dos filhos do sapateiro o autor da frase, mas isso só se soube depois do 25 de Abril, felizmente.
Curioso também o facto de Santa Catarina ter nos anos 50 e 60 do século passado um jornal mensal, onde eu pude ler as primeiras crónicas desportivas... e quem era o jornalista desportivo? o Juventino Ferreira, sapateiro, músico e jornalista, filho do meu avô Manuel Inácio.
A terra era na época, com jornal, banda filarmónica, equipa de futebol e respectivo campo, para além das festas anuais, uma localidade bem posicionada, mesmo em relação a muitas localidades do século XXI, neste país das novas tecnologias, onde o pessoal compra cada vez menos jornais.
E tudo isto para quê? não sei, apenas pensei nisso, talvez um pouco farto de ver os pobrezinhos da Bela Vista, filhos de pobrezinhos, netos de pobrezinhos e que culpam a sociedade de tudo e mais alguma coisa, em contraste com os netos do sapateiro Manuel Inácio, licenciados em economia, relações internacionais, educação física e os bisnetos que já andam por licenciaturas e mestrados sem esperar benesses ou subsídios dos serviços do Estado.
Às vezes é necessário uma pausa...

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